domingo, 5 de maio de 2013

Vai com Deus!

      Acho curioso a reação de algumas pessoas quando encontram gentileza no outro. Minha índole e criação sempre contribuíram para que eu fosse gentil e educada; sem nunca ter medo de dizer "Bom dia!"; "Tenha uma boa tarde!"; "Você precisa de ajuda?"; e dentre tantas outras frases que deveriam estar presentes em no nosso cotidiano, mas que mais se assimilam a utopia. 
     Confesso aqui que esta reação muitas vezes me emociona, e que faz com que eu reveja todo o percurso do meu dia e que tente ser uma pessoa melhor. Esta semana, duas pessoas me tocaram desta forma.
     Após um dia exaustivo de discussões sobre miséria e egoísmo resolvi voltar a minha casa. Fui caminhando neste pequeno trajeto entre minha casa e a faculdade, até que pouco antes de cruzar o portão da minha casa, me deparei com um senhor. Observei sua fisionomia de longe, enquanto me aproximava do portão; ele deveria ter em torno de 60 anos, sua idade era evidenciada pelos cabelos grisalhos e as marcas de expressão, o bronzeado de sua pele denunciava o trabalho árduo sob o sol. Vestia roupas sujas e procurava desesperadamente o que comer na lixeira do meu condomínio.
 Mesmo com pouco dinheiro, tirei tudo que eu tinha, e entreguei àquele senhor.
      Estendi o dinheiro e disse a ele que não comesse aquela marmita que estava em suas mãos, pois sabe-se desde quando estava no lixo. O olhar daquele senhor foi um dos mais sinceros que já recebi, e totalmente emocionado, aparentemente com um desejo totalmente contido de me abraçar apenas me estendeu sua mão envolta em ataduras. Este gesto foi sucedido por uma série de agradecimentos e elogios, tais como: "Deus te colocou no meu caminho! Provavelmente você é um anjo que surgiu no meu caminho!". Fiquei desconcertada e só disse a ele que não era necessário tantos agradecimentos, que só queria fazer pelo menos daquela noite, uma noite melhor na vida dele e que no futuro ele se lembrasse de que ainda há gentileza na humanidade. Quando passei por ali de novo, o senhor não estava mais lá, mas este encontro momentâneo fez com que minha atenção àquela lixeira mudasse completamente. 
       Em outra ocasião, na mesma semana, enquanto eu saia de casa outra figura compunha o cenário da lixeira; dessa vez, um rapaz magro, não tão alto, que mexia e remexia em busca de algo. Talvez procurasse por comida ou latinhas de refrigerante, ou quem sabe ainda papelão... Tudo que sei é que lhe disse boa tarde e contrário a primeira situação não coube a mim o desconcerto, mas sim àquele rapaz franzino. Ele retribuiu minha saudação, me olhou nos olhos e também agradeceu. Me disse que poucas pessoas reparam na existência dele - ali, ou em qualquer outra lixeira - e que mais raro ainda do que perceber a sua presença em algum lugar, era quando alguém lhe dirigia qualquer palavra amigável. Ao contrário do que aconteceu com o senhor eu não tinha qualquer outra forma de ajudar aquele moço, a não ser com os poucos minutos de atenção que pude lhe conceder, em troca disto aquele sujeito me presenteou com um sorriso. E antes que eu tomasse meu destino, aquele rapaz me agradeceu pela atenção e disse que as vezes era a única coisa que ele queria, poder conversar com alguém; ser visível; e finalizando sua despedida, me disse que ficasse com Deus, que este se certificaria de que nada me faltará. 
     Estes dois encontros me arrancaram lágrimas, pois diante disso tudo, consegui ver a esperança numa das formas mais puras e brutas; a qual consiste na expectativa de que dias e condições melhores virão, e que Deus, não deixara nada faltar, nada acontecer de errado, que ele estará lá; não importando onde esse lá seja. Me dói perceber que esta confiança em uma força divina não me cabe, e que para mim me parece na verdade, que há algo muito errado com a humanidade, nos dois sentidos que cabem a palavra tanto ao que tange coletivo de humanos, quanto a ausência da mesma neste.
     Embora, descrente quanto a benevolência deste Deus, desejo profundamente que este conceda a estas pessoas tão apagadas na selva cinza das cidades todos esses votos positivos, e que garanta que nada lhes venha a faltar.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Uma parada em Bauru






Uma viagem inesperada a São Paulo acabou por me levar a Bauru. A promessa de adiantar em uma hora  minha chegada em Marília era no mínimo sedutora devido ao meu grau de cansaço, contudo, um pequeno tráfego congestionado culminou num atraso maior ainda do meu regresso.
O fato de ter perdido este ônibus me deixou presa por duas horas naquela rodoviária, como mecanismo de amenizar a minha espera comprei uma palavra cruzada e me direcionei até a plataforma de embarque.
Em direção a minha espera, uma senhora; negra, retinta, uma verdadeira tia Anastácia, me pediu algumas moedas para completar uma passagem até São Manuel. Seguindo a lógica de ajudar as pessoas em situações como esta, dei um pouco do dinheiro que tinha comigo e retomei o meu curso.
 Enquanto eu rabiscava inúmeras letras naquela pequena revista, a mesma mulher se sentou ao meu lado. Puxei um assunto, afinal, minha família toda era de São Manuel, então perguntei se ela era mesmo de lá.
Com um sorriso muito gentil, ela me respondeu que iria para a casa da nora, visitar seu filho que não via há pelo menos seis meses. Prendeu a respiração por alguns segundos e com os olhos transbordando  algumas lágrimas contidas, me contou que tinha dois filhos e que ambos estavam presos.
Me explicou o por que eles estavam lá; foram as drogas, ela me disse pesarosa. E após alguns minutos de conversa trocados, não demorou muito para que o ônibus dela chegasse à plataforma. Sendo assim, lhe dei um abraço e um beijo e desejei sorte. Ela agradeceu e disse que Deus me colocara no caminho dela, para que eu a ajudasse a visitar seu filho. Continuei ali, a fazer palavras cruzadas, até que minha atividade monótona fora interrompida por outra pessoa.
Desta vez, uma mulher de olhos claros e meia idade se sentou ao meu lado, estava muito arrumada e levava uma mala de rodinhas. Olhou para mim e comentou que o dia estava quente e que o esmalte de sua unha havia estragado por que ela batera em uma porta, concordei e ri.
No intuito de prolongar a conversa, perguntei para onde ela iria. Empolgada, ela me disse que iria mudar de vida, que iria para Campinas e de lá pegaria um voo para o Piauí. Ao perceber meu interesse e minha surpresa com sua confissão ela resolveu me dar mais alguns detalhes; me disse que estava cansada de Bauru, cansada de não viver sua própria vida e que dessa vez ela iria viver o sonho que merecia. Ela era fisioterapeuta e iria prestar um concurso e que com isso, esperava poder ajudar muitas pessoas. Também não demorou muito até que ela precisasse embarcar. Nos despedimos e eu a desejei sorte.
Durante a espera que se sucedeu, fiquei pensando nessas duas figuras que cruzaram o meu caminho naquela tarde. Ambas mulheres; esperançosas em meio as suas aflições, de classes sociais distintas, e com um objetivo em comum, a busca da felicidade, cada uma a sua maneira. Ao entrar no ônibus que me levaria ao meu destino final, contemplei o sol poente e seus tons avermelhados no céu, e pensei um pouco mais nessas duas mulheres até que entendi que eu estava encantada com as várias formas de ser feliz e o poder que se tem de mudar as coisas.

terça-feira, 12 de março de 2013

Sobre as histórias e probabilidades

A mudança é sempre uma ditadora das diretrizes de nossas vidas. Sempre à espreita nas mais variadas
formas, ela nos traga; nas mudanças de trajeto, nos minutos somados ou perdidos, em uma fila de espera, em uma viagem (não) programada...
E em cada uma destas pequenas decisões desdobra-se um universo de novas probabilidades, que por vezes, são alteradas por alguns estranhos que nos "invadem", sem dar aviso prévio ou pedir licença, nestes cruzamentos cotidianos. 
Diante destas circunstâncias, sou muito grata à todas as histórias das quais pude desfrutar e participar, por alguma razão. Sinto necessidade de tentar compartilhar algumas dessas histórias, que não necessariamente me pertencem, mas que alteraram de forma substancial o meu dia e muitas vezes solucionaram grande parte de um dos meus dilemas.
A decisão de compartilhar histórias, há muito já era um ideal almejado. Contudo, somente em uma viagem inesperada e não programada é que a ideia tomou forma.
Afim de finalizar esta breve introdução deixo algumas destas histórias que ouvi por aí, soltas por aqui...