Acho curioso a reação de algumas pessoas quando encontram gentileza no outro. Minha índole e criação sempre contribuíram para que eu fosse gentil e educada; sem nunca ter medo de dizer "Bom dia!"; "Tenha uma boa tarde!"; "Você precisa de ajuda?"; e dentre tantas outras frases que deveriam estar presentes em no nosso cotidiano, mas que mais se assimilam a utopia.
Confesso aqui que esta reação muitas vezes me emociona, e que faz com que eu reveja todo o percurso do meu dia e que tente ser uma pessoa melhor. Esta semana, duas pessoas me tocaram desta forma.
Após um dia exaustivo de discussões sobre miséria e egoísmo resolvi voltar a minha casa. Fui caminhando neste pequeno trajeto entre minha casa e a faculdade, até que pouco antes de cruzar o portão da minha casa, me deparei com um senhor. Observei sua fisionomia de longe, enquanto me aproximava do portão; ele deveria ter em torno de 60 anos, sua idade era evidenciada pelos cabelos grisalhos e as marcas de expressão, o bronzeado de sua pele denunciava o trabalho árduo sob o sol. Vestia roupas sujas e procurava desesperadamente o que comer na lixeira do meu condomínio.
Mesmo com pouco dinheiro, tirei tudo que eu tinha, e entreguei àquele senhor.
Estendi o dinheiro e disse a ele que não comesse aquela marmita que estava em suas mãos, pois sabe-se desde quando estava no lixo. O olhar daquele senhor foi um dos mais sinceros que já recebi, e totalmente emocionado, aparentemente com um desejo totalmente contido de me abraçar apenas me estendeu sua mão envolta em ataduras. Este gesto foi sucedido por uma série de agradecimentos e elogios, tais como: "Deus te colocou no meu caminho! Provavelmente você é um anjo que surgiu no meu caminho!". Fiquei desconcertada e só disse a ele que não era necessário tantos agradecimentos, que só queria fazer pelo menos daquela noite, uma noite melhor na vida dele e que no futuro ele se lembrasse de que ainda há gentileza na humanidade. Quando passei por ali de novo, o senhor não estava mais lá, mas este encontro momentâneo fez com que minha atenção àquela lixeira mudasse completamente.
Em outra ocasião, na mesma semana, enquanto eu saia de casa outra figura compunha o cenário da lixeira; dessa vez, um rapaz magro, não tão alto, que mexia e remexia em busca de algo. Talvez procurasse por comida ou latinhas de refrigerante, ou quem sabe ainda papelão... Tudo que sei é que lhe disse boa tarde e contrário a primeira situação não coube a mim o desconcerto, mas sim àquele rapaz franzino. Ele retribuiu minha saudação, me olhou nos olhos e também agradeceu. Me disse que poucas pessoas reparam na existência dele - ali, ou em qualquer outra lixeira - e que mais raro ainda do que perceber a sua presença em algum lugar, era quando alguém lhe dirigia qualquer palavra amigável. Ao contrário do que aconteceu com o senhor eu não tinha qualquer outra forma de ajudar aquele moço, a não ser com os poucos minutos de atenção que pude lhe conceder, em troca disto aquele sujeito me presenteou com um sorriso. E antes que eu tomasse meu destino, aquele rapaz me agradeceu pela atenção e disse que as vezes era a única coisa que ele queria, poder conversar com alguém; ser visível; e finalizando sua despedida, me disse que ficasse com Deus, que este se certificaria de que nada me faltará.
Estes dois encontros me arrancaram lágrimas, pois diante disso tudo, consegui ver a esperança numa das formas mais puras e brutas; a qual consiste na expectativa de que dias e condições melhores virão, e que Deus, não deixara nada faltar, nada acontecer de errado, que ele estará lá; não importando onde esse lá seja. Me dói perceber que esta confiança em uma força divina não me cabe, e que para mim me parece na verdade, que há algo muito errado com a humanidade, nos dois sentidos que cabem a palavra tanto ao que tange coletivo de humanos, quanto a ausência da mesma neste.
Embora, descrente quanto a benevolência deste Deus, desejo profundamente que este conceda a estas pessoas tão apagadas na selva cinza das cidades todos esses votos positivos, e que garanta que nada lhes venha a faltar.
Embora, descrente quanto a benevolência deste Deus, desejo profundamente que este conceda a estas pessoas tão apagadas na selva cinza das cidades todos esses votos positivos, e que garanta que nada lhes venha a faltar.